sexta-feira, março 21, 2008

Há que olhar para as tendências e não só para o último valor.


O Diário de Notícias de ontem trazia o artigo “Desaceleração do investimento faz arrefecer economia em 2008”, assinado por Rodolfo Rebêlo.
.
O artigo começa com as seguintes palavras “A economia portuguesa apresenta sinais de forte abrandamento nos primeiros dois meses do ano. Os empresários estão a adiar planos de investimento e o volume de negócios no comércio e na indústria abrandou, com as exportações de bens em queda, de acordo com os dados ontem divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).”
.
Resolvi recolher os dados do INE (Sínteses mensais de conjuntura), escolhi dois indicadores, um sobre o investimento (Indicador de FBCF) e outro sobre a procura externa (Carteira de encomendas externa).
.
Depois, fiz uma carta de comportamento estatístico entre Novembro de 2006 e Janeiro de 2008, para procurar perceber o que me diz a voz do processo, independentemente das opiniões políticas.
.
Relativamente ao Indicador de FBCF obtive as seguintes curvas (a superior para avaliar a evolução da variabilidade e a inferior para acompanhar a evolução da média):
A carta da variabilidade diz-me que ao longo de 2007 a variabilidade evoluiu sob controlo estatístico, previsível portanto. Nada de alterações a esse nível!
.
A carta da média conta uma outra história muito mais interessante:
* 8 pontos consecutivos sempre a subir, de Janeiro a Agosto de 2007;
* Os pontos de Julho e Agosto ultrapassaram o limite superior de controlo (LSC x);
* O ponto de Dezembro de 2007 ultrapassou o LSC x.

Estamos perante um sistema, em que causas assinaláveis actuaram durante o ano de 2007 (a probabilidade de 8 pontos consecutivos subirem sempre face ao anterior sem haver alteração da média é de (1/2) elevado a 8.
Ao longo dos primeiros 8 meses a média aumentou, o indicador de FBCF teve uma evolução positiva que não pode ser explicada pela flutuação aleatória. Houve inequivocamente uma melhoria da situação em 2007, pelo menos durante os primeiros 8 meses (o valor excepcional no mês de Dezembro de 2007 pode ser explicado pelo investimento excepcional na compra de aviões pela TAP e pela NetJets - o famoso Banhista Gordo).
.
Estatisticamente não se pode dizer se a situação está a piorar ou não a nível de indicador de FBCF
.
Quanto à evolução do indicador “Carteira de encomendas externa” temos:

Ou sublinhando outros aspectos:Mais uma vez nada de anormal a nível da carta de comportamento da variação.
Quanto à carta do comportamento da média a história é outra. Temos tudo menos um sistema estável estatisticamente:
* De Junho de 2006 até Fevereiro de 2007 foram nove pontos consecutivos abaixo da média.
* Depois, de Março de 2007 até Dezembro de 2007 foram 10 pontos consecutivos acima da média. Ou seja, uma primeira fase com um crescimento assinalável, seguida de uma segunda fase com uma diminuição assinalável;
* A carteira de encomendas externa está em queda desde Julho de 2007, ou seja, oito meses seguidos. Estatisticamente podemos dizer que algo de diferente aconteceu e está a actuar sobre a economia.
.
Assim, ao contrário do que diz o artigo, a economia portuguesa não apresenta sinais de forte abrandamento nos primeiros dois meses do ano, infelizmente os sinais são mais antigos, já vêm de Agosto de 2007.
.
Não sou eu que o digo, são os números!
.
É muito fácil preocuparmo-nos com o último número, é o que ocupa a maior fatia do prime-time das reuniões de muitas organizações, é o topo do icebergue.
Só que abaixo do nível das águas... há um comportamento silencioso que corre o risco de passar despercebido.

Sem comentários: