sábado, junho 06, 2009

Temos de actuar na originação do valor, não na extração do valor.

Cristina Casalinho, economista-chefe do Banco BPI, escreveu este artigo na sua habitual coluna das sextas-feiras no Jornal de Negócios "De que falamos quando falamos de competitividade".
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Quantas empresas nacionais do sector de bens transacionáveis terá Cristina Casalinho visitado nos últimos 12 meses?
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Só esta semana estive em cinco!!!
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Lêmos o artigo... chegamos ao fim e o que fica de concreto?
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"Num estudo do FMI, constata-se que, no conjunto dos países europeus do Mediterrâneo, Portugal é o mais exposto à concorrência chinesa."
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E é esse o nosso concorrente? A Portugal como país aplica-se o ditado "Do not try to compete with Wall-Mart on price or with China on cost". Indústrias, unidades de negócio que tenham empresas chinesas a competirem pelos mesmos clientes-alvo, clientes que valorizem acima de tudo o preço... não têm futuro, ponto.
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"Portugal é um dos países europeus que usam menos capital por trabalhador"
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É só recordar o gráfico que Frasquilho me deu a conhecer para identificar o que nos separa do resto da Europa Ocidental. Os salários portugueses são baixos, quando comparados com os salários de outros países da Europa Ocidental. No entanto, a maior parte do valor acrescentado gerado pelas empresas portuguesas vai para ... pagar salários!!!
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As empresas não pagam pouco para engordarem as contas dos sócios, as empresas pagam pouco porque ganham muito pouco, porque geram menos valor acrescentado.
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"Mas, com os actuais custos de produção e com a concorrência principal que os produtos portugueses enfrentam, como incentivar a deslocação de factores para os sectores dos bens transaccionáveis, concretamente, a indústria?"
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"Para torná-los (os sectores de bens transaccionáveis) mais atraentes, tem de se aumentar a sua rentabilidade ou baixar a dos outros. No último caso, o incremento da concorrência, abrindo ainda mais o mercado ao exterior, poderá ser uma possibilidade. No primeiro caso, importa mais investimento, inovação e investigação. Como estes movimentos demoram a produzir resultados, numa fase inicial, impõe-se reduzir custos, designadamente laborais, ou aumentar a produtividade do trabalho."
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Competir com a China pelos custos nunca será uma opção viável, um país europeu para ser feliz, FELIZ (não basta ter o défice externo equilibrado, durante o "reinado de Salazar" isso acontecia, é preciso que as pessoas vivam melhor de uma forma sustentada e não à custa de dinheiro emprestado), tem de subir na escala de valor. Competir pelo preço é competir no terreno que dá vantagem ao oponente.
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Há uns meses realizei uma auditoria a uma empresa de calçado na zona de Felgueiras. No final da auditoria, um dos sócios lançou-se numa "saudável" diatribe contra o calçado de S. João da Madeira, como não conheço o sector achei interessante a diatribe. Depois, em conversa com alguém que conhece muito bem o sector percebi a diatribe, ou antes, percebi a diferença que motiva a diatribe.
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O calçado tradicional português era made in S. João da Madeira! As empresas de calçado de S. João da Madeira nasceram, cresceram e prosperaram a trabalhar para o mercado nacional.
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Nos anos oitenta do século passado, surge em força o calçado em zonas como Felgueiras, quase sempre ligado a capital estrangeiro e vocacionado para a exportação.
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Com a adesão da China à OMC e com o derrubar da comporta dos direitos aduaneiros, o paradigma do calçado dos anos oitenta e noventa desapareceu.
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As empresas vocacionadas para competir pelo preço, multinacionais estrangeiras voltaram a fazer o que as tinha cá trazido, deslocalizaram-se, as empresas portuguesas tradicionais entraram quase todas numa espiral de definhamento... porque continuaram a aplicara modelos mentais que deixaram de funcionar com a alteração do paradigma do sector. As empresas da zona de Felgueiras, que tinham nascido viradas para a exportação, tinham no ADN algo de diferente e deram a volta (por exemplo aqui e aqui).
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Trago esta estória por causa do ADN.
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E volto ao que Cristina Casalinho escreveu "impõe-se reduzir custos, designadamente laborais," o nosso problema não são os custos... o nosso problema é o valor acrescentado criado, o nosso problema não é o denominador, é o numerador.
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Quanto mais apostarmos na redição dos custos, mais vamos adiar a trandsição para a criação de valor. Se apostarmos na redução de custos, tout court, vamos continuar a suportar um ADN que nos pode no limite equilibrar o défice externo, mas nunca fará de nós um país FELIZ.
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Temos de actuar na originação do valor, não na extração do valor.
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Essa é a lição das cinco empresas onde estive esta semana.
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Continua.

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