domingo, junho 06, 2010

Qual era a receita? Qual é a receita? Qual terá de ser a receita?

Quando eu era criança:
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Quando no final de 1988, trabalhava numa PME com visão, na zona de Guimarães, tive de contactar com um fabricante alemão de maquinaria, a certa altura do negócio questionava-me "São estes fabricantes de máquinas, são os representantes de pigmentos, plastificantes, estabilizantes e PVCs, da BASF, da CIBA-GEIGY, da Hoechst, da... como é que eles sendo tão caros, e sobretudo sendo arrogantes, conseguem ter tanto sucesso?"
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A minha mente de engenheiro recém-licenciado não conseguia perceber como é que as peças se encaixavam.
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Depois que me tornei adulto:
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Hoje percebo como é possível ter uma moeda forte, pagar bons salários, ganhar a preferência dos clientes e ser competitivo.
Se uma empresa, se uma massa crítica de empresas, trabalhar no quadrante onde se cria um Valor Potencial Muito Elevado o negócio não é preço, o negócio não é custo, o negócio são os benefícios que se oferecem (para elas o preço é um qualifier não um order-winner, como aprendi com Terry Hill), esse é o negócio dos alemães.
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Quando os alemães abdicaram do marco foi-lhes prometido que a sua moeda continuaria a ser uma moeda forte. No entanto, ninguém ensinou a maioria dos seus parceiros da eurozona, habituados a desvalorizações que facilitavam a vida às empresas dos quadrantes A e C, como é que se pode competir com sucesso tendo uma moeda forte:
Hoje, chegados a este estado de desequilíbrios acumulados os economistas engajados com uma certa visão marxiana da economia têm uma explicação fácil para o que sucedeu:
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"Enfim, discordo de De Grauwe num ponto: a necessidade de reduzir salários em Portugal e nas periferias endividadas como forma de ajudar a resolver os desequilíbrios estruturais europeus. O problema em Portugal, como o Nuno Teles já argumentou, não é salarial: a evolução dos salários reais tem estado alinhada com a evolução da produtividade, mas as desigualdades salariais são abissais num país onde cerca de 40% dos trabalhadores ganha 600 euros líquidos ou menos por mês. O problema principal, como este estudo indica, é a contenção salarial que os trabalhadores alemães suportam há muito anos e que tem impactos negativos à escala europeia." (Trecho retirado daqui)
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A explicação é a contenção salarial alemã!!!
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Para suportar esta afirmação é apresentado este relatório "EUROZONE CRISIS:BEGGAR THYSELF AND THY NEIGHBOUR"
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O relatório é, na minha opinião, pouco sério!
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Pouco sério porque: se defende que os alemães têm estado submetidos a uma contenção salarial para que a Alemanha ganhe competitividade, então porque é que nunca apresentam números sobre a evolução real dos salários alemães? Porque referem apenas a evolução dos Custos Unitários de Trabalho?
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O relatório na página 21 inclui o capítulo "3. Labour remuneration and productivity: A general squeeze, but more effective in Germany"
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"Of fundamental importance in this connection has been labour market policy in Germany. Put in a nutshell, Germany has been more successful than peripheral countries at squeezing workers‟ pay and conditions. The German economy might have performed poorly, but Germany has led the way in imposing flexibility and restraining real wages." (Moi ici: Então, segundo o texto do relatório, mas sem números a suportar a afirmação, é postulado que os salários reais foram contidos. Pudera, como é que uma visão marxiana consegue desligar valor atribuído a um bem, da quantidade de trabalho embutida nesse bem durante a sua criação.)
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"The difference in outlook between Germany and the peripheral countries can be demonstrated by considering the behaviour of nominal labour unit costs, that is, nominal labour remuneration divided by real output. Nominal unit costs can be disaggregated into nominal cost per hour of labour divided by labour productivity. This is a standard measure used to compare competitiveness internationally. The trajectory of nominal unit costs, therefore, gives insight into the variation of nominal cost of labour relative to labour productivity." (Moi ici: Agora os autores saltam dos custos reais para os custos unitários do trabalho, para fazerem a demonstração que se os segundos estão contidos é porque os primeiros estão contidos. Mais uma vez, pouco sério.)
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De seguida apresentam este gráfico para demonstrar a tal contenção dos salários reais com base na evolução dos custos unitários do trabalho.
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Nunca apresentam números sobre a evolução dos salários reais, mesmo no gráfico a seguir:
"Extra care is required here as real compensation is not the same thing as real wages".
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E segundo os autores, com base na figura 11:
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"Still, figure 11 shows that the real compensation of labour has risen faster in peripheral countries compared to Germany, with the exception of Spain" (Moi ici: E a Itália? E Portugal?)
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Julgo que os autores misturam empresas alemãs a competirem directamente com empresas dos outros países da eurozona, como se fosse tudo igual. Por mais que os salários dos trabalhadores alemães subam, a Alemanha não vai comprar mais aos parceiros da eurozona. No limite, pode é exportar postos de trabalho da Alemanha para a Eslováquia, República Checa e Polónia. A espinha dorsal da economia alemã está no quadrante D, a espinha dorsal dos outros países da eurozona está no quadrante A. (Recordo este artigo da revista TIME de Dezembro de 2005 sobre o descalabro de uma região italiana dedicada à produção do quadrante A )
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As empresas do quadrante A não competem com empresas alemãs, competem com empresas dos países com Low Manufacturing Cost (LMC), competem no quadrante da venda transaccional, competem no quadrante onde a criação de Valor Potencial é mais baixo.
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Neil Rackham no seu livro "Rethinking the Sales Force - Redefining Selling to Create and Capture Customer value", publicado em 1999 (não esquecer a adesão da China à OMC e a adesão dos países da Europa de Leste à UE):
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"Commoditization And The Pace Of Change
There are a number of factors that are likely to continue the growth of transactional sales into the foreseeable future. Globalization and deregulation will continue to increase the number of suppliers, with relatively undifferentiated products across a broad number of industries. As a result, customer choice will continue to grow. While this increase of choice is a welcome boon for consumers, suppliers are unlikely to do much celebrating as greater choice results in tougher, more price based buying. Technological advances are also pushing more sales into the transactional category. It is becoming harder and harder to maintain true product differences. Technology increases innovation potential, but it also greatly shortens the time it takes to copy a competitor's product.
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Over the past decade, the era of downsizing, reengineering and cost benchmarking has fundamentally changed purchasing thinking and behavior and has increased the focus on cost-expense management.
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There has also been increasing demand for "common standards," "open architectures," and specifications that multiple suppliers can meet. This has resulted in opportunities for substituting cheaper products, diminishing differentiation potential, and pushing price to the forefront of purchasing negotiations. In industry after industry, sellers have watched long-standing, "safe" customer relationships evaporate as a new buying order has emerged. They have also seen new decision makers enter the arena, buying committees or even outside, third-party buying groups whose sole purpose is to commoditize the sale and drive down prices even further.
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A similar trend is visible among consumers. It is not just car manufacturers that are facing customers who are smarter and a great deal better informed than ever before. Consumers are much more aware of the choices they have, and they are increasingly likely to get their information from impartial sources. As a result, a larger percentage of their purchases are becoming transactional, where price and availability are the only sales factors that hold sway.
Even suppliers that have complex and differentiated offerings or services face transactional sales pressure from a segment of their customer base. These suppliers are finding that, although their salespeople have potential to add great value, some of their customers don't need to want that assistance and have become transactional buyers.
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These trends are unlikely to reverse, and, in fact, they are more likely to accelerate. Most buyersconsumers or businesseshave changed the way they approach purchases for many of the products and services they buy. As a result, virtually every company is going to face transactional sales for part, if not all, of their product line and/or customer base."
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Esta é que é a verdadeira revolução em curso, como as empresas da espinha dorsal da economia alemã estão no quadrante D puderam ter a mesma evolução da empresas de calçado portuguesas que sempre operaram no quadrante D, quase fizeram um by-pass perfeito à invasão dos produtos dos países LMC.
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O que as empresas dos PIGS têm de equacionar é como ultrapassarem o desafio dos países LMC, e não esperar que um aumento do poder de compra dos alemães leve a um aumento das compras da Alemanha aos parceiros da eurozona do Sul da Europa. Se as empresas dos PIGS nada fizerem para evoluírem para os quadrantes C ou D, resta às sociedades desses países esperarem pela evolução chinesa.
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BTW, como referi aqui (aproveitar para ver a definição de Custos Unitários do Trabalho): Entre 2002 e 2007, na antiga Alemanha Ocidental, o salário médio subiu 9% (ver tabela 1 da página 6 do artigo "20 years of German unification: evidence on income convergence and heterogeneity").
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Assim, a explicação não é a contenção salarial alemã, é a incapacidade, ou a demora, em fazer face à invasão dos produtos produzidos nos países LMC!!!"

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