domingo, fevereiro 15, 2015

Acerca de um título mal escolhido

O título, "Deflação na Europa faz cair preço médio do calçado", que acabei de ler fez-me sorrir.
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Primeiro, não sabia que o preço médio do calçado tinha baixado mas ontem já o tinha intuído.
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Ontem em "Mais de 80 empresas portuguesas na maior feira de calçado do mundo em Milão", li com espanto:
"No ano passado, Portugal exportou sensivelmente 90 milhões de pares de calçado, no valor de 1.870 milhões de euros", acrescenta.
Quantos pares é que Portugal tinha exportado em 2013? 
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Cerca de 75 milhões de pares!!! 
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Por que é que tinha intuído a queda no preço?
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Vamos fazer o que falta muito na vida pública, por estes dias. Vamos recordar o que se escreveu no passado. 
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Em Janeiro de 2014:
"Se o sector não precisa de crescer mais, do que necessita então? "Temos as fábricas e as máquinas, agora é ir lentamente aumentando o preço médio e melhorar a qualidade. Não é produzir cem milhões, basta 75, mas com mais 20% de valor incorporado", diz.""
Em Abril de 2014:
"a indústria portuguesa de calçado, neste momento, estar mais empenhada em aumentar o valor das exportações do que o número total de 75 milhões de pares produzidos."
Claramente, a APICCAPS é mais optimista do que a maioria dos seus empresários.
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Interroguemo-nos, o que quer dizer este crescimento na quantidade?
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Mais do que a deflação (essa coisa artificial com que nos querem enganar, basta olhar para os números de Portugal sobre o que mais contribui para a inflação negativa) julgo que, como prevemos aqui no blogue desde 2009, há aqui muito in-shoring e reshoring.
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Há muita produção low-price que está a regressar da Ásia. No mês passado estive numa empresa de calçado que a certa altura, no meio de uma conversa,  o responsável comercial contou com embaraço um caso que ilustrava os problemas que tinha:
- Na semana passada um cliente visitou-nos e chamou-nos a atenção para um pedido de amostras que estava cá há três meses sem resposta. Não acreditei! Depois, fui pesquisar e encontrei o pedido... já tinha mais de três meses!!!
Qual é o cliente que espera três meses por umas amostras e não troca de fornecedor? Sintoma de muito dinheiro deixado em cima da mesa!
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Vamos a outra recordação, esta em Outubro de 2014:
"Qual pode ser um dos impactes desta evolução ... num dos parâmetros mais querido do sector do calçado, o preço médio do calçado à saída da fábrica?...Uma redução do preço."
Recordar a série "Comparações enganadoras" e comparar com:
"A provar que os números não são lineares e o mundo não é a preto e branco estão precisamente os dados do preço médio do calçado de couro, que em 2014 teve o seu valor mais elevado de sempre: 28 euros. Cresceu 1,8%."
Pára tudo! 
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O título escolhido não é o mais feliz. Calçado português é calçado de couro e nesse o preço continuou a subir. O que verdadeiramente aconteceu foi uma alteração do peso relativo de outros tipos de calçado... sim, é mesmo preciso recordar a série  "Comparações enganadoras".
A minha intuição falhou porque associei números de pares produzidos a calçado em couro quando, cada vez mais se produzem outros tipos de calçado. E o título está mal escolhido, o preço médio baixou porque o perfil da nossa produção está a diversificar-se.

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