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domingo, maio 31, 2020

A subida na escala de valor (parte I)

Quando se é só fabricante é-se price-taker não price-maker.

Qualquer organização pode praticar a exploitation e/ou a exploration.

Estado 1
Por hipótese académica admitamos que a massa crítica de fabricantes portugueses de confecção se encontra num estado de equilíbrio 1. Num estado de equílibrio a vida é boa. O que se ganha é superior ao que se gasta. A vida é a ideal? Não, longe disso, mas dá para viver de cabeça erguida. Por estado de equílibrio entenda-se que a maioria dos agentes prefere manter o status-quo, com receio de gerar guerras, de entrar por áreas novas, com medo de trocar o certo pelo incerto.

Só o que o equílibrio não existe. A estabilidade é uma ilusão. Na realidade, quando se olha para a radiografia de um sector económico, muitas vezes os observadores são iludidos pelos números. Aquilo que aparece como um número estável é, na verdade, o somatório de muitos eventos de sinal contrário. A estabilidade pode esconder muita turbulência. No entanto, no tal período de equilíbrio académico a turbulência é baixa e quem entra no jogo económico, por norma, segue os mesmos padrões de competitividade de quem já está em jogo. Afinal por que arriscar ainda mais? Se há um modelo seguido pela maioria e que está a resultar... siga!

Só que a estabilidade é uma ilusão, se o contexto se altera...
Só que os fabricantes não dominam o contexto.
Há sempre um político nacional ávido de ganhar votos à custa do dinheiro dos outros.
Há sempre um político internacional com poder para criar barreiras alfandegárias.
Há sempre um país que cria condições mais atraentes para quem é fabricante.
Há sempre um grupo de consumidores finais do que se fabrica que pode mudar de ideias e de preferências.
Há sempre uma inovação tecnológica que pode reduzir barreiras à entrada e alterar por completo os pressupostos do jogo.
Há sempre uma crise económica ao virar da esquina, nunca é se, mas quando.

Camilo Lourenço no Jornal de Negócios de Sexta-feira passada escreveu (os cortes e os itálicos são meus):
"Em entrevista ao Negócios (edição de 27 de maio), o ex-ministro ensaiou uma das suas tiradas típicas: “A crise surgiu sem tempo de preparação.” Como? Vieira da Silva não sabe que as crises não se anunciam... aparecem de sopetão? E que quando aparecem... os países têm de estar preparados para elas?
O problema de Vieira da Silva, do governo anterior (a que pertenceu) e do Governo atual das empresas é que não percebem isso: gerem a conjuntura sem se preocuparem com os momentos em que acontecem sismos que arrasam o precário “status quo” em que a empresa o país vive."
E claro, a Lei de Murphy está sempre a funcionar:
"Qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível" 
Alguém que iludido com a estabilidade deu um passo maior que a perna, depois não tem fôlego para o golpe de rins necessário para reorientar o negócio no novo contexto.

Admitamos esta segmentação de um dado sector económico durante o Estado 1

E preparemos um choque económico sério, capaz de dar cabo desta ilusão.

Continua.

sábado, maio 09, 2015

Acerca de sectores estáveis e demasiado homogéneos na oferta (parte V)

Parte I, parte IIparte III e parte IV.
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Há mais de 13 anos que conheço o J. foi no âmbito de um projecto em que eu era o consultor e, o J. era o responsável do sistema de gestão da qualidade de uma empresa. Desde então, com alguma frequência, e na companhia de outro amigo que tinha conhecido no ano anterior, o Aranha, realizamos um jantar de francesinha, para pôr a conversa em dia.
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No entanto, só recentemente no Facebook é que percebi que o J. tem um hobby, pega em aquários de vidro e cria obras de arte:

Julgo que não estou a cometer nenhum erro ao chamar a este tipo de aquário um aquário "plantado", porque o J. planta verdadeiras florestas mergulhadas, verdadeiros ecossistemas vivos. Um aquário como o da foto não resulta de comprar peças e juntá-las. É preciso jogar com a sensibilidade das plantas, com a dose certa de nutrientes, com a dose certa de luz, com a dose certa de CO2, com a dose certa de cálcio, se o aquário tiver camarões como os do J. costumam ter. É preciso ciência e arte para jogar com todos estes parâmetros e muitos mais, para criar um ecossistema vivo e saudável.
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Tive de marcar uma francesinha a dois para conhecer melhor esta faceta do J.
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O J. contou-me que os pais tinham uma loja de animais de estimação. Depois, com a chegada dos centros comerciais, primeiro, e das vendas online depois, acabaram por ter de fechar a loja. O J. é o primeiro a contar que muitas vezes tentou convencer o pai a deixar a prática antiga de ser uma loja generalista, uma loja que tem tudo para todos e, passar a ser uma loja especializada em algo que os "chineses" do sector não pudessem oferecer. Infelizmente não teve sucesso nessa missionação.
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O J. começou a interessar-se pelos aquários plantados e a fazer algumas experiências. Bateu contra a parede algumas vezes e nunca desistiu. Depois, começou a pesquisar, a estudar e a ler (o que surpreendentemente poucos fazem) o que conseguia encontrar na internet sobre o tema. É interessante perceber que estamos a falar com um habitante de Mongo, um típico membro de uma tribo, alguém capaz de:
  • referir a importância do caudal de CO2 que bomba para o aquário em função do volume do mesmo;
  • alterar o padrão de agitação da água consoante se se está de dia ou de noite, porque de noite as plantas não consomem CO2 e o excesso de CO2 pode matar os peixes;
  • dissertar sobre o padrão de iluminação, os comprimentos de onda mais adequados para o melhor crescimento das plantas num aquário;
  • discutir sobre a potência de iluminação em função da altura do aquário;
  • apresentar o resultado dos seus estudos sobre os macronutrientes e micronutrientes e, como começou a preparar as suas próprias receitas de fertilizantes;
  • entusiasmar-se com as diferentes técnicas de crescimento inicial das plantas e, porque prefere o "dry start" a outras;
E, quando tentamos não fazer figura de ignorantes e referimos algo que ouvimos há anos sobre a introdução de peixes em aquários, o J., em duas penadas, leva facilmente um engenheiro químico a perceber que esse conselho está completamente errado... pois, nitritos.
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Ontem à noite, com base no que apanhei da interessante conversa, desenhei um canvas para um modelo de negócio baseado na arte dos aquários plantados:
O J. tem uma vida estabilizada e não tem ideia de transformar o seu hobby num negócio. No entanto, um dia que queira, desde que não pense pequeno e se limite ao mercado nacional...
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Neste caso, comecei o canvas pela proposta de valor, o que é que o J. pode oferecer? Aquários "plantados", hitec (acho que é isto que chamam quando há introdução de CO2 num aquário), verdadeiras obras de arte. Para quem, quem serão os clientes, particulares entusiastas deste tipo de aquário e lojas que podem servir de intermediários para a venda de aquários, para a venda das combinações de fertilizantes feitas pelo J., que podem organizar workshops onde o J. pode lançar mais gente na arte, que podem servir de ligação com clientes que precisam de manutenção planeada (negócio de subscrição) ou manutenção de emergência (por exemplo, salvar um aquário da invasão de algas). Como se vê, tem claramente potencial para ser mais do que um hobby, tais as fontes de rendimento que se descobrem sem grande reflexão.
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Por que coloquei o "postit" "zoos" no bloco dos parceiros? Foi um desafio que lancei ao J. Quando vamos a um zoo como o da Maia, ou o de Avintes, não seria bom ter por lá uns aquários plantados "made by J." com espécies animais num ecossistema muito mais bonito do que aqueles que vemos? Os milhares de visitantes ficariam a conhecer a referência do J. Por cada 10000 visitantes, quantos visitariam o site do J. e seriam tentados a fazer um workshop ou a encomendar um aquário?

Enquadrei esta história sobre a arte do J. nesta série, pois é mais um exemplo do que se passa em tantos e tantos sectores em que a oferta, comoditizada, é demasiado homogénea. Em qualquer sector, existe uma parte do mercado que está underserved:
O grosso do mercado, clientes overserved, é servido pelas lojas dos centros comerciais com funcionários ignorantes. O J. defende-os, são ignorantes porque ganham pouco e o patrão não lhes arranja formação. Não nego nada disso! No entanto, rematei logo:
- Mas também são míopes! Se vissem um bocadinho mais à frente, estudavam, apaixonavam-se por algo e deixavam de ser vendedores e passavam a ser consultores de compra. Passavam a ser empregados mais valiosos e cobiçados pelos patrões actuais ou futuros.
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Durante o jantar até lhe recordei a história do Pedro Lomba e a do El Corte Ingles.
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No entanto, haverá sempre uma parte do mercado que fica underserved e não pode ser servida pelas lojas dos centros comerciais. E com a internet, o truque alemão pode ser seguido por muito mais gente (definir um alvo-premium e viajar pelo mundo a servir esse tipo de cliente).
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O que o exemplo de J. me recorda são as sábias palavras de Suzzane Berger:
"… there are no “sunset” industries condemned to disappear in high wage economies, although there are certainly sunset and condemned strategies, among them building a business on the advantages to be gained by cheap labor"
Costumo escrever aqui no blogue que há sempre uma alternativa, para uma situação em que um negócio parece não ter futuro. Ontem, via Twitter, descobri esta citação:
"There's always a choice, say the Sisters, but there's always a twist..."
As Sisters são o equivalente na mitologia nórdica às 3 irmãs que na mitologia grega criavam, teciam e cortavam a linha da vida dos humanos, as Parcas da minha infância.

sábado, outubro 04, 2014

Acerca do empreendedorismo em Portugal

A propósito de "Não é a “empresa na hora” que garante novos Steve Jobs em Portugal".
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Primeiro a brincar: pensei que já tinham percebido qual era a principal variável a manipular para fazer aparecer mais "Steve Jobs", construir, inundar o país de garagens.
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Agora a sério. Fico sempre com os pêlos eriçados quando leio estas opiniões sempre prontas a classificar o esforço empreendedor de alguns como uma coisa menor ou até negativa. Se uma pessoa acha que consegue ganhar a sua vida com uma loja de conveniência na esquina, por que raio é que havemos de ver essa opção como uma opção menor? Acaso essa pessoa nos está a pedir esmola? Acaso essa pessoa colou-se ao RSI? Acaso essa pessoa pretende viver à nossa custa? Se calhar até vai criar mais riqueza do que o jornal onde se escrevem estas coisas. Não me parece que o Público dê lucro há uma série de anos (algo que merecia ser investigado, como é possível ter prejuízo anos a fio e não fechar.
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Segundo o estudo, o "Empresa na hora" permitiu:
"o número de startups criadas em Portugal aumentou 17% em consequência das novas regras, um acréscimo que levou à existência de mais 4500 empresas e 17.500 empregos no espaço de dois anos, num universo total de 5,5 milhões trabalhadores."
Mesmo assim isto é visto de forma negativa:
"“Descobrimos que as empresas cuja entrada é induzida pela reforma tendem a ser pequenas, detidas por empreendedores com uma educação relativamente reduzida e operando em sectores de baixa tecnologia. Elas revelam uma menor probabilidade de conseguirem sobreviver nos primeiros dois anos após a entrada”.
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Isto é, são os empreendedores com menor potencial de crescimento e que menos melhoram a produtividade na economia que acabam por aproveitar mais as facilidades trazidas pela “Empresa na hora”. Os outros, os com maior potencial, acabariam por criar a sua empresa de qualquer das maneiras."
Recordo que em todo o mundo, e em especial na Europa, de Portugal à Suécia, quanto mais formação escolar menor a propensão para empreender, quem cria empresas tem, quase sempre, menor escolaridade que os seus empregados.
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Isto cheira-me a campanha dos incumbentes do sistema sempre receosos da concorrência, sempre adeptos da regulação e da regulamentação. Estranho, ou não, o conluio, entre empresas grandes e políticos de esquerda. Recordar os casos de França ou Itália.
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Por mim, por cada emprego que alguém cria, é uma pequena festa, é uma pequena luz de esperança no futuro. Não resulta, teve de fechar mais à frente... é a vida, a maioria das tentativas, em todo o mundo falha, ao fim de cinco anos já não existe.
Aliás, como referi em "Acina do padrão americano", o desempenho em Portugal é superior ao americano: Ao fim de cinco anos 70% das startups fecharam, nos Estados Unidos o número é 80%.
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Já sei, bons, mesmo bons são os empreendedores que criam empresas porque conhecem os mecanismos de obtenção de fundos. Esses é que são mesmo bons, esses criam Qimondas et al e são muita bons.

quinta-feira, junho 24, 2010

Sugestões para elaborar painéis de indicadores por processo (parte I)

Uma organização é um sistema, um ser vivo único.
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Esse sistema pode ser representado, sempre de forma imperfeita, como um conjunto de processos inter-relacionados e inter-actuantes.
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Um processo tem de ser objecto de monitorização (sempre) e de medição (sempre que possível) basta ler a primeira cláusula da ISO 9001:2008:
Ao reflectir sobre como medir o desempenho de um processo devemos sempre começar pelo objectivo, pela finalidade do processo. Para que é que existe o processo?
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Consideremos o exemplo de um processo que trata as reclamações que chegam a uma empresa e da finalidade escolhida pela gestão dessa empresa. Sublinho escolhida pois é uma decisão de gestão, não há nenhuma regra uniformizadora que obrigue a um dado conjunto de indicadores.
Se esta é a finalidade do processo, então, a empresa tem de arranjar uma forma de medir até que ponto está a evoluir no cumprimento dessa finalidade. Nenhuma afirmação, ou proposta da finalidade deve ficar em branco sem uma forma de ser medida ou acompanhada, sob pena do processo entrar em roda livre e não haver informação, não haver qualquer sinal de aviso em tempo útil.
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Assim, podemos propor:
Uma vez definidos os indicadores o passo seguinte passa por planear o seu cálculo, por isso, proponho o preenchimento de uma tabela como a que se segue:
A tabela a que chamo PLANO DE MONITORIZAÇÃO E MEDIÇÃO DO PROCESSO responde às questões:
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Quando medir? Qual a frequência de cálculo para cada um dos indicadores.
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Quem mede? Qual a função responsável pelo cálculo de cada um dos indicadores, no limite cada indicador de um processo pode ser calculado por uma função diferente.
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O passo seguinte está relacionado com a apresentação dos resultados para quem quiser analisar e tomar decisões sobre o desempenho do processo, para implementar as acções necessárias para atingir os resultados planeados e a melhoria contínua.
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Os três erros mais comuns na apresentação de resultados (segundo Mark G. Brown no livro “Keeping Score - using the right metrics to drive world-class performance”) são:
• Usar tabelas em vez de gráficos;
• Apresentar apenas o último resultado; e
• Não ter um referencial, uma meta, para a tomada de decisões.
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Outro erro que se comete muitas vezes (segundo Stephen Few no livro “Information Dashboard Design”) é:
• Usar um gráfico por página, ou não colocar todos os gráficos equivalentes na mesma página.
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Assim, uma primeira página reúne todos os indicadores com as respectivas metas:
Estes indicadores permitem-nos medir o desempenho do tratamento das reclamações.
Ao olhar para esta página percebemos que:
• as reclamações estão a ser respondidas mais rapidamente;
• que a frequência das reclamações se mantêm;
• que o custo das reclamações está a baixar;
• que em 2009 se conseguiu suster a hemorragia de clientes perdidos por causa das reclamações.
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Algumas questões que podem surgir a quem olhar para estes gráficos podem ser:
• Quais os principais motivos de reclamação?
• As reclamações recaem sobre o quê? Produtos? Quais? Serviços? Quais?
• Qual a distribuição dos tempos de resposta?
• Há alguma relação entre os tempos de resposta e os motivos de reclamação?
• Há alguma relação entre os tempos de resposta e os bens ou serviços especificamente reclamados?
• Quais os clientes que reclamam mais? Há algum padrão entre quem reclama e quem não reclama?
Estas questões podem ser respondidas por gráficos que podem ser facultados com os anteriores, numa segunda página. No entanto, há uma particularidade nestes gráficos, neles não faz sentido haver metas, são gráficos que retratam a realidade e ajudam a fazer o “drill-down”, o “fine tuning” para a tomada de decisões equacionadas a partir do conjunto inicial de gráficos.
Por exemplo:
Continua.

segunda-feira, março 21, 2011

"You are building a business not a product" (parte II)

Continuado daqui.
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Desde o início da Revolução Industrial que as empresas aprenderam a viver num ecossistema em que bastava-lhes produzir porque tudo se vendia.
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Hoje vivemos num mundo em que não há procura suficiente para absorver toda a oferta. Neste mundo não chega produzir, não basta atirar produtos para o mercado e esperar que alguns acertem em clientes.
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Hoje já não chega, já não basta pensar no produto, há que ter em conta o modelo do negócio.
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Este artigo "Forget your Customers and Develop Innovative Business Models!" chama a atenção para os não-clientes. Gostava de pegar no artigo e, em vez pensar nos não-clientes que podem vir a ser clientes, pensar nos não-clientes que nunca irão comprar nada ao nosso negócio mas que podem ser parceiros na criação de um ecossistema interessante para todos.
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"Traditional value chains are in many industries being replaced or complemented with flexible value networks. When companies increasingly are seeking external resources and capabilities, or rely on complementary products and services for their business models to be successful, there will be increased competition for assets and talents. Why should a promising start-up collaborate with you and not your competitor? Why should software programmers develop applications for your platform and not competing platforms? Why should a university or research center develop new knowledge in your field? Why should innovators share their ideas with your company?"
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Neste artigo "Vinhos portugueses são únicos no mundo" encontram-se duas mensagens certeiras:
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"Na opinião de Jancis Robinson, que é das mais influentes críticas de vinho mundiais, a qualidade dos vinhos portugueses "cresce a toda a hora" e está a viver um bom momento, mas os produtores de vinho portugueses precisam "entender os seus mercados um pouco melhor"."
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"não podem apenas "atirar os vinhos para o mercado", mas sim vê-los "do ponto de vista dos consumidores e porque os escolhem em vez dos argentinos, dos franceses ou dos australianos""
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Jancis Robinson chama a atenção para o alicerce de um modelo de negócio: quem são os clientes-alvo? Que experiência procuram? Qual a proposta de valor a oferecer-lhes? Não basta produzir!!!
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Por fim, a demonstração da mentalidade socialista que nos atrofia neste artigo "Trás-os-Montes oferece produtos de excelência":
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"Em Trás-os-Montes existe uma vasta gama de produtos de excelência, como sejam os enchidos e carnes de genuína qualidade, presuntos, queijos, folares, mel, compotas, chás, azeite, etc ...Existe produção hortícola e frutícola de elevada qualidade e ainda artesanato, vinhos, entre outros, que compõem e condimentam uma gastronomia ímpar. Existe assim um enorme potencial para restaurantes, como existe para estruturas de lazer, museológicas, culturais, turísticas, etc ...A par de uma gastronomia riquíssima, existe uma hospitalidade singular, uma natureza deslumbrante, em simbiose com excelentes recursos naturais e uma "riqueza" infinita baseada na tradição e saberes seculares e genuínos de um povo!"
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Nada do que está escrito neste texto é falso... mas não chega produzir...
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De que serve produzir se os clientes não compram?
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Como é que os clientes chegam a Trás-os-Montes?
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O artigo propõe a solução socialista... usar dinheiro dos contribuintes para atrair os clientes a Trás-os-Montes.
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"Criação de estruturas e infra-estruturas de forma a que esta região conseguisse vender no mercado nacional e internacional uma semana de férias, com condições particulares de excelência ao longo de todo o ano,"
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"Aí far-se-ia um excelente parque temático (biológico e/ou natural/regional) com percursos pedestres, onde poderia existir um hotel rústico, um museu do pão, do azeite, do vinho, onde se poderia apostar na produção agrícola e de lacticínios, e, em simultâneo, proporcionar (vender) um pacote de uma semana de férias em pleno contacto com o melhor que na natureza existe: a floresta, a fauna e a flora, o rio e os desportos, as tradições, os saberes regionais, o artesanato e os produtos regionais e locais.... Com esta medida, assegurava-se: a venda e promoção de produtos locais e regionais; a criação de novos empregos e a reintegração, por exemplo, dos ex-funcionários do Ministério da Agricultura que aí trabalhavam e que actualmente se encontram no regime de mobilidade da função pública; a contratação de empreendedores locais para a construção e manutenção das infra-estruturas seria outro objectivo a ter em conta..."
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"Poderiam também ser criadas estruturas comerciais (ex.: casas regionais) nas grandes cidades de forma a escoar os produtos produzidos em todo o interior."
...
A solução do artigo é dinheiro do Estado para que funcionários públicos preencham elos do modelo de negócio:

  • parceiros-chave;
  • actividades-chave;
  • canais de distribuição.
Acham que resulta? Acham que conseguem inocular a paixão suficiente?
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Porque não se afastam, por uns momentos, do produto, do umbigo e apreciam o panorama completo... o modelo de negócio:
  • Quem são os clientes-alvo? Quem são os clientes, nacionais ou estrangeiros, que estariam dispostos a pagar pela imersão numa experiência única? 
  • Qual a proposta de valor? Gastronomia? Paisagem? Costumes? Fauna? Vinho?
  • Qual o canal de distribuição? Porque não apostam na internet? Porque não desenham uma experiência piloto com agências de viagens? Não com agências de viagens para o mercado de massas mas agências que lidam com nichos... como birdwatchers.
  • Que parceiros podiam incluir no modelo? Outros empreendedores com o seu dinheiro em jogo, não funcionários. Parceiros que lidassem com o transporte, com a saúde, com a segurança, com o alojamento, com o desenho dos roteiros.
E em vez de começarem em grande, como acontece sempre que o Estado entra, comecem de pequeno, com pouco dinheiro, para um público-alvo com um pequeno pacote de experiência. Depois, com o tempo, podiam ir iterando e ampliando o pacote e diversificando-o. Talvez um pacote para birdwatchers, talvez outro para wine-lovers, talvez outro para food-lovers, talvez outro para ...
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Recordo este outro postal.
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Continua.

terça-feira, janeiro 24, 2012

Não faz sentido, para uma PME, procurar "ser o melhor"

Uma estratégia explica, descreve, ilustra, como é que uma empresa, operando num meio, num ecossistema, num habitat, num mercado, apesar da concorrência, e da escassez de "nutrientes", consegue alcançar um desempenho superior.
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O que se pensa acerca da concorrência vai influenciar não só as escolhas que se fazem sobre como uma empresa vai competir, mas também vai influenciar a capacidade de avaliar essas mesmas escolhas.
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Por isso, antes de se começar a falar acerca de estratégia, é preciso abordar a questão da concorrência e da vantagem competitiva..
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A ideia de concorrência mais em voga é a que teima em empurrar as empresas para que concorram entre si para ser a melhor. (Moi ici: Não existe um concorrente universal, não existe um óptimo) Esta é, segundo Michael Porter, a pior maneira de pensar acerca da concorrência. Se se começa com uma ideia deficiente sobre como funciona a concorrência, seremos levados a estratégias, também elas, deficientes. E isso, conduzirá as empresas a um desempenho medíocre.
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Ao contrário do desporto ou da guerra, nos negócios, as empresas podem ganhar sem necessitarem de aniquilar os seus rivais.
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Nos negócios, múltiplos vencedores podem prosperar e coexistir. A concorrência pode focar-se mais em servir as necessidades dos clientes do que em aniquilar os rivais, Basta olhar em volta. Por que existem tantas necessidades por servir, existem tantas formas de vencer. (Moi ici: E a hipótese Mongo significa que a diversidade de necessidades vai aumentar muito mais, nichos, nichos, nichos.)
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Nos desportos existe uma prova com um conjunto de regras. Só pode existir um vencedor por prova. A concorrência nos negócios é muito mais complexa, mais aberta, mais multidimensional. Dentro de uma mesma indústria, podem existir várias provas em simultâneo, em vez de uma única, tendo por base que clientes, com que necessidades, servir.
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As empresas, em vez de entrarem numa competição específica com um determinado rival, podem, pura e simplesmente, decidir criar a sua própria competição. (Moi ici: Os microeconomistas usam a imaginação e alteram as regras do jogo e criam jogos novos)
É sempre difícil quebrar um modelo mental, mas mais difícil ainda quando não se está ciente da sua existência. Esse é o problema da mentalidade focada na competição para ser o melhor. É uma forma de pensar, mais do que um modelo mental. A natureza da concorrência é aceite como um dado adquirido sem grande escrutínio. Mas, diz Porter, não devia nem tem de ser assim. Na maior parte dos negócios, simplesmente não existe tal coisa como "o melhor."
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Basta pensar em todas as indústrias da economia. Em quantas delas faz realmente sentido  pensar em "ser o melhor"? Na maior parte das indústrias, existem muitos diferentes clientes cada um com diferentes necessidades. (Moi ici: Mongo, um mundo de diversidade)
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Também não se pode falar de um melhor absoluto quando se pensa na realização de funções como produção, logística ou marketing. (Moi ici: Não existem boas-práticas!!! )
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O melhor, ser o melhor, depende do que se está a tentar alcançar. Assim, a primeira deficiência da lei da concorrência para ser o melhor, é que se uma empresa se prepara para ser a melhor, prepara-se para um objectivo impossível.
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Mas não é tudo. Se os rivais perseguem todos "o melhor meio" para concorrer, vão colocar-se todos em rota de colisão. Todos os actores da mesma indústria irão ouvir os mesmos conselhos e seguir as mesmas receitas. As empresas irão copiar-se umas às outras, fazendo o benchmarking dos produtos e práticas. (Moi ici: Correr atrás da concorrência em vez de servir os clientes-alvo)
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Trechos adaptados, com alguma liberdade, do primeiro capítulo de "Understanding Michael Porter"  de Joan Magretta.

segunda-feira, novembro 05, 2012

Existe sempre uma alternativa.

“If you are getting whipped playing by the existing rules, get used to losing or change the game. If you can’t win by standing and fighting then run and hide. If you can’t win by being big, be small. If you can’t win by being small, be big. The first rule of winning is that there is no one way to win.”
Existe sempre uma alternativa, tem é de ser construída. Raramente é óbvia ou fácil.

Trecho retirado de "Adaptability" de Max McKeown

sábado, julho 21, 2012

Placebos (parte I)

Houve um tempo em que, para o consumidor normal, o preço era um sinal sobre a qualidade do produto. E uso a palavra qualidade aqui apenas no sentido de mais atributos, de melhor desempenho. Um produto mais caro tinha melhores materiais e melhor desempenho.
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Depois, vieram as marcas brancas e mais ou menos lentamente fizeram enfraquecer essa percepção. Mais barato podia ser igual ou até mesmo melhor. Foi o resultado de uma subvsersão do modelo de negócio nos bastidores. A mais antiga decisão de compra entre marca de loja e marca de fabricante que recordo foi num hipermercado, cerca de 1990 (?), em que numa prateleira tinha de escolher entre uma garrafa de óleo da marca Vaqueiro ou uma garrafa de óleo da marca Continente. Olhei para a forma das garrafas... eram iguais entre si e diferentes de todas as outras marcas, deduzi/especulei "São embaladas no mesmo sítio". O consumidor até podia desconfiar, mas o poder da marca da loja e a diferença de preço ajudava a experimentar (ainda hoje, pode aparecer o produto com marca da loja mais barato que não troco o detergente lava-loiça manual da Procter & Gamble, por que é o melhor na experiência de lavar loiça à mão)
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Em tempos de crise é natural que isto aconteça "Só os produtos de marca própria aumentaram as vendas". Se se pesquisar este blogue, é possível encontrar várias referências a este tipo acontecimento, a evolução das marcas brancas na preferência dos consumidores. Basta pesquisar "Centromarca", a associação que reúne as marcas dos fabricantes e que estão sempre em guerra com os donos das prateleiras, a grande distribuição.
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Ao longo dos anos fui sempre aconselhando a Centromarca a não desperdiçar tempo e recursos numa guerra com os donos da prateleira. Convidava-os a fazerem o by-pass à grande distribuição, aproveitando as vendas online e, sobretudo, criticava-os por estarem a defender o passado em vez de aperfeiçoarem os seus produtos, em vez de criarem novas categorias, em vez de criarem mais valor potencial.
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Este artigo "Portugueses optam por marcas mais caras “quando vêem valor claro para si”" embora não seja suportado em números, vem em defesa da minha crítica à Centromarca:
"A actual situação económica tem levado a uma mudança nos hábitos de consumo em Portugal. “Os portugueses tendem a comprar sistematicamente mais barato ou com a melhor relação preço/qualidade, escolhendo marcas mais caras quando vêem valor claro para si”, revela um estudo divulgado em 2012 pela Kantar Worldpanel."
Pois!!!
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Um dos mantras mais mais vezes repetido neste blogue:

  • pode-se competir pelo preço mais baixo, o mundo do Red Queen Effect, o mundo da eficiência, o mundo das grandes séries, das grandes quantidades, do volume, da massificação, da normalização, ... um mundo para quem pode competir aqui, não para quem quer.
  • pode-se competir pelo valor, onde o preço não é o factor preferencial, onde alguns clientes estão dispostos a pagar por uma percepção do valor que vão sentir durante o uso. 
Por que é que os macro-economistas só conhecem, só recomendam a competição pelo preço mais baixo?.
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Quem é que vai convidar um macro-economista para uma palestra, quem é que lhe pode pagar bem um relatório, um projecto, uma sessão de consultoria? As pequenas empresas ou as empresas grandes? Onde é que as empresas grandes têm o seu ADN competitivo? No volume ou no valor? Pois!!!
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Por isso, não conhecem a competição pelo valor, não lidam com ela, é um fenómeno de auto-catálise negativa.
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Depois:

"“o mesmo consumidor poderá efectuar diferentes opções em função da sua percepção do valor acrescentado da marca ou produto, incorporando nas duas decisões uma maior racionalidade”. (Moi ici: O uso desta terminologia "racionalidade" é perigosa... nós somos influenciados pelas expectativas "irracionais" que criamos e, por vezes,a expectativa é tudo, a expectativa é o que faz com que o produto faça a percepção de valor emergir. Como aprendi com a service-dominant logic, o valor também é contextual... uma mine gelada num final de tarde de trabalho bem sucedido no Verão, a uma sombra, numa conversa off-record com clientes, sabe muito melhor que uma mine bebida numa noite de Inverno sem companhia... e o recurso "mine" é o mesmo)
Perante esta realidade e com a diminuição do rendimento das famílias, já não existe um padrão de consumidor. (Moi ici: Esta não percebo... há muitos anos, numa leitura semanal da revista TIME, aprendi uma coisa que a vida pessoal e profissional tem reforçado, no consumo, não existem classes. Um consumidor pode optar pelo preço mais baixo na alimentação e, ao mesmo tempo, ser incapaz de calçar sapatos que custem menos de 100 euros. Por isso, é que aconselho as empresas a pensarem em clientes-alvo em termos de experiências e não em termos de gavetas exteriores - demografia, rendimento, profissão,...) Mário Beja Santos, técnico superior da Direcção-Geral do Consumidor e co-fundador da União Geral de Consumidores (UGC), revelou ao i que “o consumidor único não existe por três motivos: a classe de rendimento, os objectivos estatutários e a funcionalidade dos produtos”
Por fim:
"O aumento do consumo das marcas brancas tem sido notório. “A percentagem aumentou”, explicou Mário Beja Santos, defendendo que a tendência para este tipo de consumo é continuar a subir. Para o responsável, este aumento não é prejudicial às marcas próprias, (Moi ici: Este raciocínio parece-me errado e perigoso. Alimenta uma adição quase sempre fatal. Atenção ao que vem a seguir) sustentando que “muitas [empresas de marcas próprias] criam produtos brancos”, evitando serem afectadas." (Moi ici: Então não são afectadas? Será que a margem que têm com o aluguer da produção para marcas brancas se equipara ao premium que auferem com as suas marcas próprias? Muitas empresas só olham para a facturação, para as vendas e não valorizam como deve ser a rentabilidade do capital empatado. Embaladas e adormecidas com a facturação crescente proporcionada pelo volume das marcas brancas que produzem nas suas instalações, vão descurando o esforço contínuo necessário para evitar a erosão da percepção de valor na mente dos consumidores. Quando acordam é quase sempre tarde demais.)
 Continua.

sábado, maio 05, 2012

Como uma startup?

Ando a ler "The Startup Owner's Manual" um livro que estou a saborear com gosto. Muitas das ideias já conhecia, contudo, vê-las assim, organizadas, sistematizadas e aprofundadas é muito útil.
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Ao ler um texto intitulado "Get Out of the Building", uma expressão que Steve Blank usa há anos com muita propriedade, encontrei uma mensagem que gerou uma questão, uma dúvida que ainda não me largou:
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"Facts exist only outside the building, where customers live, so the most important aspect of customer discovery is getting out of the building, in front of customers." (Moi ici: A ideia de Steve Blank é: uma startup é uma ideia, é uma visão, é uma hipótese lançada pelos seus fundadores. Assim, para confirmar essa hipótese, uma startup tem de ir para a rua, antes de começar a gastar dinheiro, o mais depressa possível para verificar se existem clientes, se a hipótese tem adesão à realidade)
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"Only after the founders have performed this step will they know whether they have a valid vision or just a hallucination.
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Sounds simple, doesn't it? But for anyone who has worked in established companies, the customer discovery process (Moi ici: O nome que Steve Blank dá à primeira etapa na vida de uma startup. Uma startup quase sempre não tem clientes à partida, não existe mercado. É preciso descobri-los) is disorienting. All the rules about new-product management in large companies are turned upside down. It's instructive to enumerate all things you are not going to do:

  • understand the needs and wants of all customers
  • make a list of all the features customers want before they buy your product
  • hand Product Development a features list of the sum of all customer requests
  • hand Product Development a detailed marketing-requirements document
  • run focus groups and test customers' reactions to your product to see if they will buy
What you are going to do is develop your product for the few, not the many."
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Qual é a dúvida? Cá vai.
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Quando uma PME (agora estou a falar de PMEs não de startups) resolve tentar a sua sorte e exportar para uma nova geografia, para um novo país, para um novo mercado que desconhece e que já está servido, fará sentido agir como uma startup na "Customer Discovery Phase"?
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Ou seja, em vez de arriscar um choque frontal com as marcas incumbentes (Quem luta por evitar uma perda  tem quase sempre vantagem sobre quem luta por conquistar um ganho, aprendi há dias com Kahneman), em vez de tentar chegar a todos os clientes, em vez de tentar chegar ao grosso dos clientes, em vez de tentar chegar ao mainstream, apostar numa franja do mercado, na periferia do mercado, até naqueles clientes que representam um encargo para os incumbentes.
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Será que uma PME que avança para um novo mercado geográfico e que não pode gastar rios de dinheiro para subornar (em sentido figurado) os clientes, não deverá actuar como uma startup?

sábado, maio 17, 2008

Serviço Pergunta - Resposta

Ontem recebi um e-mail onde se colocava a seguinte questão:
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"Será que me pode dizer qual o EMA erro máximo admissivel para uma balança de laboratório?
Como se define esse erro?"
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Cá vai o meu subsídio para uma resposta:
Quando realizamos uma medição de uma mensuranda, de uma variável a medir, temos a certeza de que existe um valor verdadeiro para o resultado.
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No entanto, reconhecemos que nós humanos nunca conheceremos qual é esse verdadeiro valor, só os deuses o podem saber.
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Para obviar esse problema, em vez de cruzarmos os braços, adoptamos uma abordagem engenheiral, vamos arranjar um padrão, algo que sirva de referência e que possa ser usado como sendo o valor verdadeiro. Por exemplo, se estou a trabalhar com uma balança que dá resultados até à segunda casa decimal, se usar um padrão com cinco casas decimais, posso admitir que o padrão é o valor verdadeiro.
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Quando realizamos uma medição temos:
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Resultado da medição = verdadeiro valor ± erro de medição
ou seja,
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Resultado da medição = valor convencionalmente verdadeiro ± erro aleatório
ou seja,
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Resultado da medição = verdadeiro valor + erro sistemático ± erro aleatório
ou seja,
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Resultado da medição = verdadeiro valor + desvio ± incerteza
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tudo grandezas que podem ser calculadas durante uma calibração. Assim, temos que:
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Erro de medição = desvio + incerteza
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Consideremos agora um exemplo: Temos um produto que colocamos no mercado. Esse produto tem uma característica X (a massa, por exemplo) que é prometida aos clientes no âmbito de uma especificação.
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Compre o nosso produto, garantimos que tem uma massa de 20g com uma tolerância de mais ou menos 2g"
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Algo como:
Vamos criar uma grelha para avaliar o efeito da dimensão do erro de medição na nossa apreciação da qualidade do produto quanto ao cumprimento da especificação. Algo como:
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À medida que nos aproximamos dos limites da especificação, aumenta o risco de cometermos erros de apreciação, os chamados erros alfa e beta, aceitar um produto mau como sendo bom, e rejeitar um produto bom como sendo mau.
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Se o erro de medição aumentar de dimensão, aumenta a probabilidade de cometermos esses erros alfa e beta, como mostra a figura que se segue:

Quanto maior o erro de medição, maior o risco de cometer o erro a ou o erro b.
Rejeitar como mau um produto bom, ou aceitar como bom um produto mau.
A probabilidade de cometer um erro alfa ou um erro beta, ou seja o risco de tomar uma decisão errada, é tanto maior quanto maior for a percentagem do intervalo da tolerância “comido” pelo erro de medição.
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Chamando ao intervalo de tolerância 2 x T (por causa do ± T) e ao erro de medição EM podemos calcular o seguinte rácio
Se R = 1; T = EM, o grau de risco na tomada de decisão, na sequência da medição é de 100%.
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Se R = 2; T = 2 x EM, o grau de risco é de 50%
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Se R = 10; T = 10 x EM, o grau de risco é de 10%.
.Ou seja: Só quando o valor medido cai dentro das manchas azuis da figura que se segue, é que há risco de cometer o erro de apreciação alfa ou beta, ou seja um risco de 25%.
Portanto podemos dizer:
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O critério de decisão para estabelecer qual o EM máximo para aceitarmos um instrumento de medida, na sequência de uma calibração, não é um critério metrológico, não é um critério técnico (não estamos a falar de metrologia legal) é um critério político. Qual o risco que aceitamos ter de colocar na nossa apreciação?
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Ele, o risco, vai existir sempre, sempre! Temos é de avaliar a sua dimensão, qual a dimensão a partir da qual a achamos demasiado desconfortável.
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A nossa balança mede a massa de um princípio activo famacêutico para uma receita? Ou mede a quantidade de farinha a colocar num bolo de pastelaria? Qual o risco associado a cada uma das situações?
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A ISO 10012-1, no Guia de aplicação da cláusula 4.3 aconselhava (digo aconselhava pois não tenho à mão a última versão) que o valor de R fosse o mais alto possível, e que a gama deveria andar entre um mínimo de 3 e um máximo de 10 (mais de 10 significa ter um aparelho de medida bom de mais, se calhar caro de mais).
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Será que isto ajuda?

segunda-feira, dezembro 01, 2008

SPC (parte I) - Uma outra maneira de ver o mundo

Este é o primeiro e o mais díficil dos postais que me propus escrever sobre o controlo estatístico do processo (SPC), mais díficil porque, para muita gente, se eu conseguisse ter sucesso com este postal tal representaria um momento de epifania sobre o que significa utilizar o SPC, nevertheless let's try it.
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Muitas organizações começam a usar o SPC porque um cliente o exige, ou porque uma qualquer legislação que regula o sector assim o exige.
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Começar a usar o SPC com as fórmulas correctas e com as regras de detecção de causas assinaláveis correctas já não é mau.
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No entanto, normalmente, cumpre-se o requisito e aplicam-se as fórmulas sem mudar a forma de olhar o mundo.
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No final dos anos oitenta do século passado trabalhava na CIRES em Estarreja, uma empresa química que produzia e produz PVC.
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Uma das boas práticas seguida nessa empresa era a assinatura de várias revistas técnicas que depois eram distribuídas por todos segundo um circuito pré-definido. Uma das revistas que comecei a ler nessa altura era a Chemical Engineering Progress e a outra a Hydrocarbon Processing. E foi na Hydrocarbon Processing que encontrei uns artigos que me abriram os olhos para o mundo da qualidade.
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Quando frequentava a universidade o último local onde me via a trabalhar era na área da qualidade, um mundo de burocratas de bata branca que se entretinham a segregar produto conforme de produto defeituoso, essa era a minha visão. A ISO 9001 ainda não existia.
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Os artigos da Hydrocarbon Processing abriram-me os olhos para uma faceta da qualidade que eu nunca tinha conhecido ou ouvido falar. O mundo da melhoria da qualidade e das suas ferramentas, o mundo da investigação sobre os processos, o mundo que relacionava e punha a dialogar a Produção com a Comercial como provedores dos clientes.
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Ainda hoje guardo cópia desses artigos:
  • "Tools for better management (part 1)", assinado por D. M. Woodruff e publicado pela Hydrocarbon Processing em Agosto de 1989 (um artigo que que nos apresentava um conjunto de ferramentas mágicas, porque poderosas, para perceber o que acontecia num processo de fabrico e descobrir a causa dos problemas que atormentavam a organização e os seus clientes: brainstorming, diagrama de pareto, diagrama de causa-efeito ou de espinha de peixe, fluxogramas, histogramas, diagramas de correlação e cartas de controlo);
  • "SPC in the process industries (part 2)", assinado por C. L. Mamzic e T. W. Tucker e publicado pela Hydrocarbon Processing em Dezembro de 1988 (este artigo referia algo de verdadeiramente mágico para a minha jovem mente de recém-licenciado de um curso onde estas matérias nunca foram abordadas, não é uma figura de expressão era mesmo magia, mencionava o desenho de experiências e um tal de método Taguchi. A minha curiosidade não me largou e atormentou enquanto não percebi o que era e como se usava esse método. Taguchi dava uma importância tremenda à questão da variabilidade e o mergulho nessa filosofia ajudou-me mais tarde à minha epifania com o SPC )(Já agora, a curiosidade sobre o SPC levou-me a encomendar um livro a uma editora inglesa, no tempo em que não tinha cartão de crédito e que tinha de pedir uma factura proforma primeiro para que o meu banco de seguida fizesse um cheque para eu poder, finalmente, enviar com a encomenda por carta. Encomendei o livro "Statistical Process Control - A practical guide" da autoria de John S. Oakland e publicado pela editora Heinemann Professional Publishing. Quando essa editora começou, depois, a enviar-me folhetos publicitários sobre as suas publicações descobri a arca de livros de Peter Drucker, o homem que mudou a minha vida)
Usar o SPC não é aplicar fórmulas e colocar pontos num gráfico a que chamamos carta de controlo, essa é uma tosca e muito rudimentar simplificação. Usar o SPC é uma forma diferente de encarar o mundo.
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Sem método para analisar resultados somos prisioneiros dos caprichos, nossos e dos deuses (chamem-se eles administradores, directores gerais ou chefe da secção):
Há uns anos estava a trabalhar no meu estaminé e a ouvir a rádio TSF, a certa altura apresentaram os dados de uma sondagem mensal(?) e depois deram espaço de antena a vários comentadores políticos e professores universitários para explicarem os resultados. O programa demorou cerca de uma hora e no final... de tão surpreendido com a ignorância estatísticaevidenciada, de tão desconfiado das lucubrações explicativas fui ao sítio da TSF e saquei os dados das sondagens anteriores, para concluir que aquela tinha sido uma hora perdida... com explicações da treta porque de um mês para o outro nada tinha mudado estatisticamente.
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Se fôssemos deuses saberíamos exactamente qual a percentagem de apoiantes que cada partido político teria em cada instante. Como apenas somos humanos temos uma aproximação desses números através da realização de sondagens.
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Consideremos que numa dada sondagem o partido político X obtém uma percentagem de apoiantes de 20%. Há uma tendência para tornar abosoluto esse valor, 20% dos inquiridos votariam no partido X. Contudo, tal não é verdade, 20% é o resultado médio obtido da amostra estudada, apesar da amostra ser equilibrada e aleatória, se tivéssemos recorrido a outra amostra aleatória e equilibridada poderíamos vir a obter 19% ou 21%. Assim, 20% é só o valor mais provável a partir de uma distribuição de resultados possíveis.
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Num dado mês teríamos este cenário:
O valor obtido em resultado da sondagem, é exactamente igual ao valor verdadeiro que só os deuses conhecem, 20.0%.
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No mês seguinte, o valor obtido pela sondagem é de 21.5%, nós deuses sabemos que nada mudou, trata-se apenas de mera flutuação aleatória como se pode ver da localização do ponto amostral na distribuição normal.
No entanto, os comentadores, tal como os analistas da bolsa, perante resultados diferentes, porque os tomam por valores absolutamente verdadeiros, querem sempre encontar justificações para as mudanças... mesmo quando essas mudanças não querem dizer nada.
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Este é o grande poder do SPC, relativizar os números... o número obtido é um dos resultados possíveis de entre uma distribuição de valores. O SPC permite-nos descobrir se a distribuição se alterou ou não, permite-nos decidir quando é que vale a pena investir na investigação das diferenças. Quando estas forem estatisticamente significativas e só nessa altura.
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O exemplo do saco que produz e destrói bolas verdes no final deste postal ilustra e caricaturiza a actuação de quem não conhece o significado do SPC.
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A variabilidade existe sempre em qualquer sistema. Uma parte dessa variabilidade é previsível e está sempre presente no sistema, a variabilidade provocada por causas aleatórias. Outra parte da variabilidade pode não estar presente num sistema, o ideal é mesmo que não esteja presente, a variabilidade atribuída a causas especiais ou assinaláveis.
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Um sistema só com causas aleatórias presentes tem a particularidade de ser previsível, os resultados futuros do sistema não serão estatisticamente diferentes dos resultados produzidos pelo sistema no passado.
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Pouco se pode dizer de um sistema com causas especiais presentes além das aleatórias, porque não se podem fazer previsões para o futuro.
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O SPC diz-nos se existem causas especiais a actuar num sistema e dá-nos pistas para as pesquisar.
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O SPC diz-nos que quando temos um sistema só com causas aleatórias a funcionar e não gostamos dos resultados produzidos pelo sistema... não adianta acenar com cenouras ou brandir chicotes pois o sistema e as pessoas que nele operam já estão a dar o melhor... se não gostamos dos resultados produzidos pelo sistema... temos de mudar o sistema.
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O SPC permite-nos, quando temos um sistema só com causas aleatórias a funcionar, conduzir o sistema para a frente, para o futuro, olhando pelo espelho retrovisor.
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Adenda: Esta recordação entretanto encontrada I love this game, parte 2 ou "O rei vai nú"

segunda-feira, maio 07, 2007

Como descobri que não é suficiente optimizar os processos-chave. (1/3)

Nota: por processos-chave entenda-se, aqueles que são fundamentais para a execução da estratégia. Aqueles que serão modificados pelas iniciativas estratégicas associadas a um mapa da estratégia e ao balanced scorecard respectivo.

Consideremos o conjunto de todas as actividades desenvolvidas por uma organização.De entre estas actividades, de entre este todo, existe uma fracção essencial, uma parcela muito especial: o conjunto de actividades que a organização desenvolve para criar vantagem competitiva, para fugir à “comoditização”, para criar diferenciação e não resvalar para o negócio do preço.

Competir no mercado através do preço é uma decisão perfeitamente respeitável (se for fruto de uma decisão ponderada e não de uma resposta instintiva). Respeitável e correcta, quando se consegue ser líder, de forma sustentada, em eficiência. Ou seja, no limite, só um dos concorrentes pode ser o melhor no negócio do preço, pelo menos durante um certo espaço de tempo. A esse período de tempo muitos chamam equilíbrio, para mim, na verdade, não existe equilíbrio, nunca existe equilíbrio. Estamos sempre perante uma luta, perante uma competição, entre diferentes intervenientes, por um bem escasso: a preferência, a atenção dos clientes. Quando muito, posso chamar equilíbrio àquele breve instante que separa o exercício de inspirar, do exercício de expirar, experimente… tomou consciência desse instante?!

Se avaliarmos o peso relativo das actividades que uma organização desenvolve, as tarefas em que investe, para se diferenciar (actividades nucleares), por contraposição com o peso relativo de todas as outras actividades (actividades de contexto), podemos encontrar dois cenários limite.

Numa organização jovem, numa “start-up”, o peso relativo do investimento em actividades destinadas a criar diferenciação é muito grande. Praticamente toda a organização está concentrada, está dedicada, está devotada à realização das actividades nucleares.À medida que a ideia original da “start-up” vai “envelhecendo”, outras organizações, outros concorrentes, acabam por dominar o conceito, a tecnologia, a ideia, e… aquilo que era diferenciador, passa a ser comum, passa a ser a norma, passa a ser contexto.

A “start-up”, para fazer face à ameaça de “comoditização”, transfere mais recursos para o desenvolvimento de actividades nucleares, um investimento necessário para assegurar a continuação de margens atraentes no futuro.

Ano após ano, inovação após inovação, a organização já mais madura, continua a desenvolver um conjunto de actividades nucleares, fundamentais para a diferenciação continuada e, para a manutenção de margens mais elevadas.

Como as actividades, que “ontem” eram nucleares e “hoje” são contexto, se vão acumulando ao longo da vida de uma organização, sem serem eliminadas. O mais natural é que numa empresa madura, o peso relativo das actividades de contexto, ultrapasse em larga medida o peso relativo das actividades nucleares.Ou seja, aquilo que hoje é nuclear, amanhã será contexto!
Aquilo que hoje é contexto, no passado foi nuclear, foi causador de diferenciação.

Nenhuma actividade é intrinsecamente nuclear ou contexto, tudo depende das opções estratégicas de uma organização.

(continua)

quarta-feira, agosto 30, 2006

Relógios e nuvens, entre eles: o mundo em que vivemos

Pela leitura desta notícia de ontem no JN, e dos desenvolvimentos relatados aqui, fiquei com a ideia de que há quem ainda acredite no Pai Natal, quando falamos na capacidade de leitura de uma equipamento de medição.
É impossível saber com certeza absoluta: qual a massa dos pepinos que pesam à nossa frente na feira; qual o comprimento do tecido que medem com uma régua à nossa frente na loja, ou qual o teor de álcool no sangue medido por um alcoolímetro da BT da GNR. É ímpossível porque ninguém pode jurar a pés juntos que o valor está correcto.

Qualquer aparelho de medida deita cá para fora um resultado. Nós que fomos educados numa sociedade que não convida as pessoas a duvidar da autoridade, do saber de cátedra, fomos quase todos condicionados a acreditar que os equipamentos de medida dão o resultado certo.

Agora imaginem que alguém "cozinha" e prepara uma solução padrão, com concentração conhecida de álcool, ou que recorre a um aparelho laser ultra-sofisticado para medir o comprimento da peça de tecido.
Quando comparamos o comprimento da peça de tecido medido pela régua, com o comprimento obtido através do laser (valor que vamos considerar convencionalmente, como verdadeiro) verificamos que existe um desvio (trata-se de um erro sistemático, que pode ser positivo ou negativo), ainda quando a mesma pessoa em momentos diferentes, ou diferentes pessoas, medem o comprimento do tecido com a régua cometem um erro aleatório ou incerteza. Assim, o valor que um aparelho mede é igual a :

(o erro sistemático pode ser positivo, ou negativo)

Alguém na DGV descobriu que afinal os aparelhos de medida trazem sempre - SEMPRE - acoplados um erro, e procurou evitar problemas em tribunal (?), só que se esqueceu que o erro nunca é a somar o erro é ±, tanto pode aumentar como diminuir o valor que o aparelho de medida apresenta. Ou seja, quando um alcoolímetro mede 0.45 g/l, se calhar o valor verdadeiro até é 0,51 g/l, ou o,52 g/l.

Para evitar imbróglios deste tipo, temos de aceitar que quando se mede existe sempre potencial para se cometer um erro e decidir qual é a dimensão máxima do erro que estamos dispostos a arriscar cometer. Sabendo qual o erro máximo admissível (EMA) que aceitamos, e sabendo qual o valor do erro sistemático máximo ( E) e qual a incerteza (na gama de medição de utilização do aparelho) (e), podemos calcular esta razão EMA/(e+E). A norma ISO 1012-1 aconselha a escolha de um rácio entre 3 e 10, mas quem decide é que escolhe, tudo depende do grau de confiança, ou da dimensão do erro que aceitamos cometer. Isto é um problema de gestão, não de metrologia, assim, dá vontade de perguntar qual o EMA para este tipo de equipamento? Qual o rácio minimo aceitável? Qual o rácio actual? Os aparelhos são calibrados? A frequência de calibração é cumprida?

Nunca, mas nunca, se assuma que o valor apresentado por um equipamento de medida é o valor CERTO, existe e existirá sempre um risco de erro, a dimensão do erro é aceitável? A balança da minha cozinha tem um erro aceitável para mim, mas não aceitável para o laboratório da farmácia central cá da terra.

terça-feira, fevereiro 07, 2012

Adeptos e promotores da concorrência imperfeita!!!


Golias, o campeão filisteu, desafiou o exército de Saul, rei dos hebreus, para que enviasse um lutador para um duelo, para um combate que definisse quem iria ganhar a batalha.
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Perante a dimensão imponente de Golias, ninguém no exército hebreu imaginava que seria possível defrontá-lo com sucesso. (Moi ici: Olhando para a estatura, para a dimensão, para a experiência militar de Golias, só um louco pensaria em enfrentá-lo. Esse é o problema das PMEs que só são capazes de pensar que a sobrevivência e o sucesso dependem de um confronto directo com a concorrência num combate para ser o melhor. Não vêem alternativa… os outros, têm mais experiência, ou menores custos, ou melhor produto, ou… como é possível pensar em fazer-lhes frente!?!?)
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Assim, os dias iam passando e Golias repetia o seu humilhante desafio.
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Certo dia, um jovem pastor hebreu chamado David foi até ao campo militar e ouvindo o desafio de Golias resolveu aceitá-lo.
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As palavras de David foram ouvidas e comunicadas a Saul, que o mandou chamar à sua presença. 
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David disse-lhe: «Ninguém desanime por causa desse filisteu! O teu servo irá combatê-lo. »Disse-lhe Saul: «Não poderás ir lutar contra esse filisteu. Não passas de uma criança, e ele é um homem de guerra desde a sua mocidade.» (Moi ici: Resmas e paletes de comentadores bem intencionados, comportam-se como Saul. “Como é que as PMEs portuguesas podem ter sucesso? Acaso têm custos mais baixos? Acaso têm mais dinheiro? Acaso têm…” Alguns até prevêem que só deslocalizando as suas actividades para a Ásia é que as PMEs terão futuro. Outros acham que só saindo do euro é que é possível ter futuro)
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Contudo, David lá conseguiu convencer o rei Saul a deixá-lo defrontar Golias. Disse-lhe o rei: «Vai, e que o Senhor esteja contigo.»“Então disse Saul a David: Vai, e o SENHOR seja contigo. E Saul vestiu David com suas vestes, e pós-lhe sobre a cabeça um capacete de bronze; e vestiu-o com uma couraça.
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E David cingiu a espada sobre as suas vestes, e começou a andar; porém nunca o havia experimentado; então disse David a Saul: Näo posso andar com isto, pois nunca o experimentei. E David tirou aquilo de cima de si. (Moi ici: Os economistas, os políticos e os comentadores quando pensam em concorrência, pensam em agentes económicos que se encontram no mercado, para se enfrentarem com as mesmas armas e argumentos. A isso chamam de concorrência perfeita. Nesse universo imaginário, existe um grande número de empresas a produzir o mesmo produto ou serviço, empresas com dimensão e estrutura semelhante, existe um grande número de consumidores e todos com a mesma informação disponível sobre as ofertas e o mesmo gosto, existe uma grande homogeneidade dos produtos e serviços oferecidos e não existem barreiras à entrada e saída de agentes económicos.
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Ao aceitar enviar David para o combate com Golias, Saul só conseguia equacionar um combate de igual para igual, um combate com as mesmas armas. Uma luta por ser o melhor. Quando um qualquer David resolve combater de igual para igual com um qualquer Golias… perde!!! Perde sempre!!!
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David recusou a arma, a armadura, o capacete e as roupas de Saul… David resolveu que não iria competir com as mesmas armas, com as mesmas tácticas de Golias. Iria competir à sua maneira, iria combater fazendo uso daquilo em que era bom, daquilo em que tinha experiência. Ia seguir o caminho da concorrência imperfeita.)
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E tomou o seu cajado na mäo, e escolheu para si cinco seixos do ribeiro, e pô-los no alforge de pastor, que trazia, a servir de bolsa. (Moi ici: As PMEs não têm hipótese de sobrevivência, quanto mais de sucesso, se forem nesta cantiga dos livros, nesta treta da concorrência perfeita. As PMEs devem fazer tudo para desnivelar o terreno, devem fazer tudo para alterar as regras do jogo em seu favor, devem desenhar uma abordagem assente em tudo o torne a concorrência imperfeita. Só quando a concorrência é imperfeita é que podem maximizar aquilo em que podem fazer a diferença e minimizar aquilo que favorece os tubarões com dimensão, com experiência e com capital)
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Depois, lançou mão da sua funda; e foi aproximando-se do filisteu.
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O filisteu também se vinha aproximando de David; e o que lhe levava o escudo ia adiante dele.
 E, o filisteu, ao ver David, desprezou-o, (Moi ici: Os grandes estão habituados a fazer uso da sua força no terreno que lhes é mais propício. Assim, quando vêem uma PME a seguir um outro caminho, o caminho menos percorrido, quase sempre desprezam-nas. Desprezam-nas porque as PMEs concentram-se num nicho e protegem esse nicho com um mosaico de actividades repleto de sacríficios para quem, sendo grande, as quiser imitar) porquanto era moço, ruivo, e de gentil aspecto. (Moi ici: O que é que uma PME pode fazer contra a empresa-Golias… o Golias quase sempre nem lhe liga Quando os gigantes deste mundo detectam a aproximação de um pigmeu normalmente desprezam-no, não lhe ligam. Acham que são de tal forma superiores… os Davids são como formigas num piquenique, um incómodo que pode ser espezinhado facilmente. Só que, “Aqueles que não ouvem a música, acham que o bailarino está maluco”.
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As empresas-Golias, os comentadores, os políticos e os economistas estão aprisionados a mapas cognitivos, a modelos mentais castradores que os impedem de ver a realidade de uma outra forma... não conseguem ouvir a música.)

E sucedeu que, levantando-se o filisteu, e indo encontrar-se com David, apressou-se David, e correu ao combate, (Moi ici: Quando as empresas grandes, quando as empresas incumbentes acordam, já as PMEs adeptas da concorrência imperfeita estão em velocidade de cruzeiro, cheias de momentum. O sentido de urgência das PMEs, permite aproveitar o à vontade dos incumbentes, os Davids aceleram e aproveitam ao máximo a brecha temporal que conseguiram. Assim, quando os Golias perceberem o que lhes aconteceu… já é tarde de mais) a encontrar-se com o filisteu.
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E David pôs a mão no alforge, e tomou dali uma pedra e com a funda atiro-a, e feriu o filisteu na testa, e a pedra encravou-se-lhe na testa, e caiu sobre o seu rosto em terra.
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Assim David prevaleceu contra o filisteu, com uma funda e com uma pedra, e feriu o filisteu, e o matou; sem que David tivesse uma espada na mão.”
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Conceito adaptado de um texto de Malcolm Gladwell, história adaptada de I Sm 17, 1-51 

quarta-feira, dezembro 03, 2008

SPC (parte III) - Cartas de controlo e especificações a combinação contra-natura (a explicação)

Parte I; Parte II
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Um processo que tenha somente causas aleatórias a afectar as suas saídas diz-se estável e sob controlo estatístico. Num processo estável, o sistema, o emaranhado de causas na base da variabilidade mantém-se mais ou menos constante ao longo do tempo. Isto não quer dizer que não exista variabilidade nas saídas do processo, ou que a variação seja pequena, ou mesmo que as saídas obedeçam às especificações ou requisitos impostos pelo cliente. Um processo estável é um processo onde a variação nas saídas é previsível, dentro de limites estabelecidos estatisticamente.
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Um processo com as suas saídas afectadas quer por causas comuns (estão sempre presentes), quer por causas assinaláveis é considerado um processo instável. Um processo instável não apresenta necessariamente uma grande variação. É considerado instável porque a grandeza da variação não pode ser prevista de um período para outro.
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Uma visão da variação baseada em causas comuns e causas assinaláveis contrasta com a visão da variação baseada na classificação do desempenho em bom e mau. Esta última visão é a mais comum e tradicional.
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A visão da variação baseada na classificação do desempenho do processo em bom e mau constitui a base para a inspecção de produtos e serviços. Uma grande falha desta visão é de que não fornece qualquer informação sobre as causas, sobre as raízes da variação. E sem essa informação faltam pistas importantes para conseguir melhorar o desempenho. Estas duas visões contrastam fortemente.
À medida que as causas especiais são identificadas e removidas o processo vai-se tornando cada vez mais estável e um processo estável é um processo:
  • Com uma identidade própria; o seu desempenho é previsível. É pois possível planear racionalmente;
  • Os custos e a conformidade são previsíveis;
  • Onde os efeitos das mudanças podem ser medidos com maior rapidez e fiabilidade. Num processo instável é muito difícil segregar as mudanças no processo induzidas pelas alterações impostas, das mudanças devidas às causas assinaláveis.

A carta de controlo é a ferramenta que nos permite classificar um processo como estável ou instável.
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A carta de controlo é constituída por três linhas e por pontos marcados num gráfico:

Uma carta de controlo é construída a partir de medições de uma dada característica da qualidade de um processo, como por exemplo: o prazo de entrega, a viscosidade, a temperatura, o custo, o número de erros, o volume de vendas ou de enchimento. Essas medições são depois agrupadas com base no tempo.
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A estes conjuntos de dados dá-se o nome de subgrupos. Para construir uma carta de controlo são precisos vários subgrupos. Os dados individuais ou a sua média, são marcados no gráfico. O eixo horizontal identifica o subgrupo, o eixo vertical é a escala da característica da qualidade sob medição.
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A linha central representa a média dos dados. Os limites de controlo representam a fronteira da variabilidade devida a causas aleatórias. Os pontos marcados fora dos limites de controlo são indicações da existência de causas assinaláveis a operar no sistema. Não há qualquer relação entre os limites de controlo e especificações.
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É extremamente importante não confundir os limites de controlo com as especificações ou com as metas para o processo. As especificações são a voz do cliente ou do mercado, as metas são a voz ou o desejo da gestão, os limites de controlo são a voz do processo, aquilo que o processo é capaz de fornecer. Os limites de controlo são uma previsão da variação que ocorrerá devida ao sistema, ou seja devida a causas aleatórias. Um processo pode ser estável e, no entanto, os produtos saídos do seu seio não cumprirem a especificação.
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Quando trabalho com o balanced scorecard (BSC) procuro aconselhar os gestores a usarem as cartas de controlo para analisarem a evolução dos resultados periódicos dos indicadores de desempenho e evitarem comportamentos esquizofrénicos. Nesses casos, a carta de controlo que aconselho é a carta de valores individuais e amplitude móvel pois só há um valor possível em cada mês, no caso da frequência mensal (por exemplo).
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No entanto, noutras aplicações, sempre que é possível, aconselho o uso de subgrupos com tamanho superior a 1, pois tal reduz a frequência de erros tipo II sem penalizar demasiado os erros do tipo I, permitindo detectar mais facilmente eventuais mudanças na média.
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Consideremos uma carta de controlo com subgrupos de tamanho 5. Assim, quando colocamos pontos na carta da média, esses pontos resultam da média de 5 valores individuais. Se agora se desenharem sobre a carta de controlo linhas que representam as especificações, podemos dizer que alguém está a fazer batota… pois está a comparar um resultado que não existe na vida real, a média de 5 valores individuais, com as especificações que se aplicam apenas a valores individuais.
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Consideremos uma linha de engarrafamento.
Se estivermos a medir o volume das garrafas uma a uma, é natural que uma vez por outra apareça uma garrafa com um volume de enchimento muito próximo de uma das extremidades, de uma das caudas da distribuição normal do processo. Esta ocorrência, se analisada isoladamente poderá levar à conclusão errada de que o processo de enchimento precisa de ajuste. Se por outro lado recolhermos uma amostra de 5 garrafas será extremamente improvável que todas as 5 caiam junto a um dos extremos da distribuição. Se, por isso, tomarmos em conta a média dos 5 volumes teremos um indicador do estado do processo muito mais fiável. É claro que a média de cada amostra irá variar mas a dispersão, a variabilidade, não será tão grande como a que se verifica quando tomamos em conta as amostras individuais.
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Comparando as duas curvas de frequência verificamos que a dispersão das médias amostrais é muito inferior à dispersão verificada com as garrafas individuais. No caso de amostras de dimensão 4, por exemplo, o desvio padrão das médias é metade do desvio padrão do mesmo universo de garrafas quando consideradas uma a uma e não em grupos de 4.
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Em termos gerais o desvio padrão das médias:Porquê usar médias amostrais? Porque facilita a detecção das alterações nos processos.
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Vamos interromper o nosso plano inicial para a apresentação de temas relacionados com o SPC, para introduzir no próximo episódio o tema do Erro tipo I e Erro tipo II e a sua relação com o tamanho das amostras de cada subgrupo.